Você sabe como foi feito o vinho que você bebe? Muito provavelmente, as uvas foram colhidas por um trator gigantesco automatizado e fermentadas em tanques de inox com a ajuda aqui e ali de produtos como fermentos desidratados. De um modo geral, só vinhos acima dos 150 reais podem ser feitos artesanalmente porque cada passo do processo custa muito mais caro.

 

Se na gastronomia os orgânicos estão ganhando cada vez mais força, no mundo do vinho os consumidores vão na mesma direção. Há cada vez mais gente disposta a pagar esse preço maior por vinhos feitos em menor escala e em sintonia com a natureza. Estão especialmente em alta os biodinâmicos e os naturais – que são coisas muito diferentes. Os biodinâmicos são orgânicos feitos seguindo a energia do cosmos. O dia para arar, plantar ou colher depende da posição dos astros. Já os naturais, que também são orgânicos, resultam de uma vinificação em que o homem intervém o mínimo possível. Nada de controlar a temperatura das cubas nem filtrar, por exemplo.

À moda antiga: Cavalo arando terroir (Foto: divulgação)

Certos produtores estão trazendo de volta alguns métodos ancestrais de fazer vinho. Na França está na moda, por exemplo, trabalhar a terra com a ajuda de cavalos em vez de tratores. Os renomados châteaux Pape-Clément, Angelus e Pontet-Canet aderiram à onda. O que equivale, para a maioria dos experts, a jogar fora seu smartphone e comprar um celular da primeira geração com teclas duras e antena retrátil. Mas os defensores da natureza argumentam que os tratores, com seu peso, compactam demais o solo e sufocam as criaturas que vivem nele, como as minhocas. “Cavalos são melhores para o solo e para o meio ambiente, embora custem bem mais”, atesta o famoso consultor de vinhos Michel Rolland.

À moda antiga: À esquerda, garrafa do renomado Pontet-Cantet. À direita, mais ânforas de argila da Lidio Carraro (Foto: divulgação)

Biodinâmico desde 2014, o Pontet-Canet também aderiu em 2012 a outra moda resgatada da antiguidade: o uso de ânforas, enormes recipientes de barro ou argila cuja porosidade permite que o vinho “respire” mais (o que é uma faca de dois gumes). A maior referência mundial em vinhos feitos em ânfora é o italiano Josko Gravner, que enterra-as sob a terra como faziam os romanos antigos – o que tem a grande vantagem de manter a temperatura estável. Ele produzia vinhos convencionais até o dia em que viajou para a Geórgia na Europa Oriental, um dos berços do vinho, e descobriu as ânforas. Desfez-se de todas as suas barricas e de seu maquinário moderno e por volta de 1996 passou a vinificar à moda antiga usando sua intuição em vez de técnicas modernas.

À moda antiga: O italiano Josko Gravner e suas ânforas ao estilo romano, que usa na produção de seus vinhos desde 1996 (Foto: divulgação)

Gravner influenciou vinhateiros do mundo todo e uma crescente quantidade deles está trocando cubas convencionais por ânforas. Até no Brasil a onda chegou. Os irmãos Juliano e Geovane Carraro da vinícola Lidio Carraro, na Serra Gaúcha, mandaram fazer duas ânforas de 500 litros com a argila do próprio solo, usadas em 2018 para fermentar diferentes variedades de uvas tintas. O blend resultante será vendido em 2020 em cotas de duas garrafas a 549 reais. “A gente queria fazer um vinho de guarda com tiragem bem reduzida”, explica Juliano. Para ele, as ânforas “afinam os taninos”, mas elas ainda são controversas, há quem diga que a porosidade pode oxidar demais os vinhos.

Não se pode dizer que o uso de ânforas ou de cavalos de tração sejam técnicas certas ou erradas, até porque entre os adeptos uns fazem vinhos excelentes e outros, porcarias. O resgate de métodos ancestrais, para fazer sentido, requer vinhateiros ultra-habilidosos e cuidadosos e um terroir de grande qualidade. Só assim a volta ao passado pode resultar em vinhos de alta classe.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.